sábado, 28 de março de 2009

NÃO ABUSEM DA NOSSA POBREZA

*NÃO ABUSEM DA NOSSA POBREZA*

... nem da nossa riqueza.


*Sergio Ulhoa Dani*

Estamos empobrecendo rapidamente. Exploramos todos os cantos da nossa terra, buscando a felicidade. Houve uma época em que a encontramos, mas depois topamos com essa dura realidade: já não há suficiente para todos. E assim pouquíssimos são escolhidos para gozar das coisas boas da vida: liberdade, um emprego estável, uma moradia digna, água pura e ar fresco, silêncio e privacidade, segurança, boa ciência, educação, família, tranqüilidade, respeito e realização, saúde e até o direito de sonhar.

A imensa maioria das pessoas está condenada a vagar por espaços tenebrosos, mendigar sobras, viver de ilusão em ilusão: emprego de reprodução, casa ou apartamento financiado, telefone celular com bônus, carrinho na garagem, geladeira e televisão no crediário, diploma de curso superior comprado e sem valor de troca num mercado degradado e competitivo, cartão de crédito para compras a prazo no shopping ou no supermercado, plano de saúde privado, pacote de férias e um dinheirinho numa poupança para os imprevistos. Nada disso vai nos salvar.

Condenados a viver e morrer no desespero, alimentados com as sobras de governos corruptos e empresas e bancos rapinantes, disputamos migalhas de pão e circo com ferocidade. Empresas e governos moem gente. Gente massacra gente.

E assim espertalhões, corruptos, populistas, paus-mandados e imbecis chegam ao poder, lugar privilegiado para a manutenção dos seus privilégios e dos privilégios dos seus amigos. De lá escolhem quem deve viver e quem vai morrer, quem vai ganhar e quem deve perder para que somente alguns ganhem de verdade e mantenham a diferença dos demais, mantenham a distância de segurança dos pobres.

Conspiram o tempo todo para que a minoria rica formada por eles próprios ganhe sempre, e a maioria pobre tenha a ilusão de que estamos ganhando, quando na verdade estamos perdendo sempre, e progressivamente.

Assomam ao poder para garantir suas regalias e as de seus amigos, porque pensam que está tudo bem em raptar para salvar sua própria pele, mesmo que tudo em volta desabe. Imagino que devem pensar que quando e onde só há suficiente para poucos, que sejam eles e seus amigos os privilegiados. Precavidos e velhacos, tomam o cuidado de deitar migalhas para iludir a multidão e assim tornarem indolores as suas mordidas, como fazem os morcegos com suas presas.

E assim o fosso vai se aprofundando, dividindo o mundo numa imensa maioria de pobres iludidos, manipulados, dominados e desesperados, e uma minoria de ricos ilusionistas, manipuladores, dominadores e poderosos. Os pobres ficam cada vez mais pobres e desesperados, e os ricos cada vez mais ricos e seguros. Essa história não pode terminar bem.

Somos um povo pobre, numa terra rica. Ficamos cada vez mais pobres, à medida que o crescimento econômico avança. Sinal claro que alguém está raptando a nossa riqueza, a nossa energia, e as reservas da nossa dignidade. Que espécie de crescimento econômico é este, que traz sofrimento, dificuldades, violência, destruição do meio ambiente, riqueza aparente e empobrecimento evidente?

Agora querem raptar a nossa água, com o apoio da minoria que toma conta dos governos. Que direito eles têm de decidir sobre o recurso mais essencial para nossa vida, que direito têm de decidir sobre nosso futuro? Sem água, não há vida, não há agricultura, não há indústria, não há construção civil, não há prestação de serviços. Sem água a economia e a vida entram em colapso. Que certeza eles têm de que estão tomando a decisão certa por nós?

Verdadeiras quadrilhas são legalizadas pelo estado para raptar e iludir, e manter privilégios para minorias.

Já agüentamos rapto de ouro e de água. Mas não toleraremos mais o rapto da água, porque podemos viver sem ouro, mas não podemos jamais viver sem água.

Será que esses raptores pensam que nós pobres desgraçados não temos o direito
à água, não temos o direito à vida?

Até quando abusarão de nossa pobreza?

... até quando levarão a nossa riqueza?


Enquanto isso, Mr. Tye Burt, presidente da Kinross, desliza tranqüilo o seu veleiro sobre as águas limpas de um lago no Canadá.

Quando tudo desabar, devemos ter garantida, pelo menos, a nossa água. Não em quantidade suficiente para velejar como Mr. Burt, com sua face rosada tocada pelo vento fresco do ártico, mas em quantidade suficiente para matar nossa sede e limpar toda a sujeira que está em nossos corpos e em nossa dignidade.

Porque sem água não teremos sequer a chance de poder lavar nossa alma, recomeçar nossa vida, reconstruir nossa história.

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Sergio Ulhoa Dani
Reserva do Acangaú, zona rural
Caixa postal 123
38.600-000 Paracatu MG
Brasil
srgdani@gmail.com
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